quinta-feira, 26 de junho de 2008

Tempo

Com dezoito anos, havia feito cursos de informática e inglês. Atualmente estava matriculada em um curso de espanhol do qual não gostava muito, mas achava necessário para o seu futuro. Sempre pensou em ser desenhista, mas faria vestibular para Letras, porque, segundo ela, o desenho era um sonho de infância, muito difícil de ser alcançado. Quando indagada por que não corria atrás, já que era disso que gostava, respondia que não havia mais tempo pra se dedicar o suficiente. Sentia-se bem com sua escolha, apesar de, no fundo, ter mais dúvidas do que deixava transparecer.

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Certo dia, ela se deita no sofá da sala com aquela preguiça típica após o almoço, enquanto esperava a hora de ir para o colégio. Minutos depois, ouve sua mãe chamando do quarto e vai até lá pra saber do que se trata.

“Chamou, mãe?”, pergunta da porta do quarto. A mãe não demonstra ter ouvido. “Mãe?”, tenta mais uma vez. A mãe a chama novamente como se não houvesse ninguém ali. Em seguida, se levanta da cama onde estava e passa pela filha, indo em direção à sala. “Filha, está na hora de você ir.”, diz, “Mãe, eu estou...”, dizendo isto, a garota se vira e vê que continua deitada no sofá, exatamente como minutos atrás. Estupefata, observa sua mãe tentando, em vão, acordá-la.

A garota demorou alguns minutos para entender o que estava acontecendo, e só acreditou realmente quando chegaram os médicos legistas para realizar os devidos procedimentos. A causa mortis não nos interessa no momento. Uma dessas mortes repentinas que acontecem vez ou outra. O importante é que não houve dor nem sofrimento. Diria que foi uma morte bem tranqüila, se é que se pode classificar uma morte dessa maneira. Por motivos desconhecidos, a garota, ou melhor, sua alma ou espírito, continuou entre seus familiares e amigos, não interagindo diretamente com eles, mas convivendo de certo modo.

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Com o passar do tempo, apesar de sentirem falta da garota, as pessoas foram retornando às suas rotinas. Ela era como uma espectadora de tudo: observando, mas sem participar. E, dia após dia, se dava conta do que realmente havia acontecido e de como seria daqui pra frente. Não completaria os planos feitos. Não faria todas as coisas que gostaria de fazer. Ela era o que se costuma chamar de “certinha”. Responsável, ajuizada. Preocupada com o que as pessoas pensariam, nunca ultrapassava os limites, mesmo quando era isso que gostaria de fazer. Por isso, deixou de aproveitar muitas coisas na vida. E percebeu que não havia chance de voltar atrás. Percebeu que, agora sim, não havia mais tempo, e que carregaria para sempre o arrependimento das coisas que deixou de fazer. Esse era o pior sofrimento que poderia imaginar.

A garota estava ficando desesperada com aquela situação. Ela tinha a eternidade e mais nada pela frente, a não ser o seu arrependimento. E não podia fazer absolutamente nada para acabar com isso. Pensava em tudo que queria ter feito e todas as coisas rodavam em sua cabeça. Distante, ouve a voz de sua mãe, “Filha...”, a voz vai ficando cada vez mais alta, “Filha...”, ouve novamente, “Filha...”. A garota abre os olhos de repente. Continuava deitada no sofá. “Filha, você cochilou.”, diz a mãe. Nada disso tinha acontecido de verdade. Ainda havia tempo.

5 comentários:

Joicy disse...

Esta história confirma que devemos fazer as coisas enquanto é tempo.O mais importante não é ser alguém para as outras pessoas,mas alguém para nós mesmos.É isso aí Déia.bjo

Pablo Abreu disse...

"ontem me disseram
que um dia eu vou morrer,
mas até lá
eu não vou me esconder"

Vitor Vizeu disse...

Bom demais o texto!
Tem uma música que diz: "Seize the day or die regretting the time you lost" (em português, "Aproveite o dia ou morra lamentando o tempo que você perdeu"). E essa é a mais pura verdade!

Carol Peralta disse...

Maravilhoso texto!

"A vida é como uma peça de teatro, por isso cante, dance, ria, chore, VIVA, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos ..."

Felipe F. disse...

jah tinha ldio
mas esqueci de comentar
ADOREI O texto.
fodão. reflexivo

Parabens déia!