terça-feira, 17 de junho de 2008

A Bossa Nova brasileira e seus 50 anos


Uma história de ficção e realidade sobre a Bossa Nova, que em 2008 completa 50 anos de arte brasileira e vigor.



Águas de março de 58, João Gilberto ouvia com satisfação o toque do violão que em outrora havia ensinado aos seus colegas ali reunidos. O encontro se passava mais uma vez na casa da jovem Nara Leão, na Avenida Atlântica, zona Sul do Rio de Janeiro. Nessas reuniões, que eram freqüentes, o grupo fazia e ouvia músicas. Mas nessa ocasião havia algo especial, já que o maestro Jobim e o “boêmio maior” Moraes mostravam uma canção nova batizada como Chega de Saudade. “Mas se ela voltar/ se ela voltar/ Que coisa linda, que coisa louca/ Pois há menos peixinhos a nadar no mar/ Do que os beijinhos que eu darei na sua boca”, era a parte em que Moraes estava da canção quando Carlos Lyra seguido de seu companheiro Menescal, brandiram aplausos aos sucessos da letra e do som.

Mal havia todos os presentes feito os devidos agrados a dupla quando Menescal pediu atenção. Ele, por sua vez, tinha sido um dos primeiros a conhecer a nova batida de violão inventada por João Gilberto. Pelo que parece, isso aconteceu numa noite que este bateu na porta daquele e foi logo dizendo – “Tem um violão aí? Eu sou o João Gilberto. Podíamos tocar alguma coisa”. Menescal que já havia ouvido falar daquela figura esquisita mandou-o entrar. Dali saiu mais uma amizade e era por causa dela que ele pedia agora atenção. Toda sala se silenciou e ele, sem por menores, revelou aos presentes que aquela não era a única música nova por ali, pois João também havia composto uma. Foi aí então que o até agora calado Ronaldo Bôscoli fez o que todos premeditavam fazer- e não fizeram - e pediu que Gilberto lhes apresentassem sua nova canção. Bim, bom, bim, bim, bom, bom. Era assim que ele começou a música e no final não foi nem preciso contar aos demais que ela se chamava Bim Bom.

Alguns meses depois desse encontro foi lançado um compacto simples onde estavam presentes as duas canções, e é a partir desse lançamento que alguns críticos consideram o inicio de um novo estilo musical, feito por boêmios brasileiros e que ficou conhecido como Bossa Nova. Mas mais importante que a data inicial, foi a criação da Bossa em si.

O termo ‘bossa’ era uma gíria carioca dos anos 50 que significava ‘jeito, modo’. Quando um indivíduo criava alguma coisa nova, divertida, inteligente..., dizia-se que ele tinha bossa pra determinada coisa. Foi daí que surgiu ‘Bossa Nova’, “uma fusão de melodias e harmonias- como disse Menescal”, samba, Jazz e música erudita.

No final daquele encontro na casa da Nara, Roberto Menescal e Carlos Lyra haviam embalado numa conversa de memórias de poucos anos passados. O assunto era acerca da academia de violão que os dois tinham começado alguns anos antes. Nara Leão, assim que tomou conhecimento de que se tratava a conversa, tratou de se juntar aos dois nas lembranças. Ela tinha sido um das alunas dessa academia que havia começado na casa de um amigo de Lyra, que ficava com 10 por cento da arrecadação.

Carlos, que era mais desenvolto, mencionava o sucesso que os dois professores ‘boas pinta’ faziam com as alunas. Mas apesar de tudo, e para alívio das mães, trabalho era trabalho e “nós respeitávamos todas”- afirmava meio que debochadamente - “principalmente o tímido do Roberto”. E os três caíram na gargalhada.

Ronaldo Bôscoli foi quem interrompeu os risos vindo se despedir da anfitriã. Nara estava com uma blusa bege de lã, gola alta e de manga até o cotovelo, relógio, uma saia que vinha até a altura dos joelhos e um sapatinho preto de bico arredondado. E para não perder a graça, Bôscoli mais uma vez elogiou seus joelhos redondinhos, que foram objetos de muitas poesias, crônicas e suspiros gerais. Ele os havia descoberto num certo dia quando chegou à sua casa, bateu a campainha e quem atendeu foi a própria Nara, usando um shortinho curto que deixava os joelhos totalmente à mostra.

Tom e Vinícius saíram juntos daquele ambiente. Os dois nem sonhavam com o “grau maior” que sairia daquela amizade. Moraes, que já estava meio embriagado, começou a dizer frases sem muito nexo no momento, mas que pareceram agradar muito ao seu amigo maestro. Foi A noite, Domingo azul de mar, que os Caminhos cruzados levaram a uma Discussão. Mas depois de uma profunda Meditação, eles resolveram compor um samba Desafinado, um Samba de uma nota só – foi o que ele disse. E assim dito, um abraçado ao outro e Vinícius segurando na mão direita um charuto, foi que eles saíram, sendo os últimos a deixar a casa da Nara Leão.

Bem longe dali estava Baden Powel e o seu violão. Ele treinava também aquela ‘batida da bossa’ e fazia com grande êxito. Era até considerado por alguns como o maior violonista do país. Seu primeiro violão tinha sido roubado de uma tia, lá na cidade chamada “Varre e sai” onde nasceu. Já havia umas duas horas que tocava sem parar. Estava especialmente motivado porque iria tocar no Cabaré Brasil e na boite do Hotel Plaza, lugares onde se reuniam os primeiros “bossanovistas”.

Powel levou um susto quando esmurraram a sua porta e se os visitantes não tivessem se pronunciado, é bem possível que ele nem a abrisse naquela hora da noite. Quem chegava era Chico Feitosa e Luiz Carlos Vinhas. Entraram sala adentro num só fôlego e se diziam meio cabisbaixos, queriam ouvir um Samba Triste. E por lá ficaram mais algumas horas.

Os anos 60 entraram com um novo ritmo consagrado. A garota de Ipanema tinha agora novas músicas na cabeça, “mais solta, mais alegre, mais ligada à natureza que a geração anterior, que curtia a noite, as boates, os amores sofridos, e que a música refletia essas situações do seu dia-a-dia”, como disse Menescal. A Bossa Nova, que no início era um movimento da elite cultural, caiu no gosto popular e atingiu o público em geral. E não só no país. “Com a Bossa Nova o Brasil exportava arte, o grau mais alto da capacidade humana”(Tom Zé). Ela se espalhou por várias partes do mundo também. A música ‘Garota de Ipanema’, por exemplo, teve muitas gravações no exterior, entre as quais a de Sarah Vaughan e a de Frank Sinatra.

Em 1962, Carlos Lyra estava no Concerto de Bossa Nova, no Carnegie Hall, de Nova York. Pouco depois que voltou, encontrou com Vinícius e o papo começou. No vai-e-vem da conversa Lyra perguntou ao poeta como poderia uma menina da Vieira Souto se apaixonar por um mendigo. Esperto como era, Vinicius respondeu: é primavera, é primavera. Logo depois eles compuseram o musical “Pobre menina rica” onde estão duas obras de maior eloqüência da nossa MPB, “A Primavera” e “ A Minha Desventura”

Este ano a Bossa completa seu qüinquagésimo aniversário. São cinqüenta anos de grandes feitos e grandes nomes que espalharam e mostraram a capacidade brasileira em produzir algo diferente, novo e bom. Mesmo com a certa idade avançada e com os novos estilos que tem empapado o pensamento da nova geração, a Bossa não perde a posse e o visgo. Vez ou outra até recebe certos arranjos e é apresentada por novos artistas. Mas as memórias de seus fiéis representantes e criadores não se perdem jamais. Vinícius de Moraes, João Gilberto, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Antônio Carlos Jobim, Roberto Menescal, Baden Powel, Carlos Lyra, Billy Blanco, Chico Feitosa e outros, escreveram (ou compuseram) seus nomes na cultura brasileira e contagiaram até os estrangeiros com BOSSA brasileira daquela NOVA e bela música surgida no fim dos anos 50 e decorrer dos 60. Parabéns à Bossa Nova e que você ainda tenha muitos anos de vida, ou melhor, que não morra jamais.
Texto de Pablo Abreu

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