quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O MATRIX TUPINIQUIM

Antes de mais nada, devo confessar que, assim como milhares de outros brasileiros, deixei-me levar pela onda do “Chico Xavier”. O filme que conta a vida e a obra do médium, convence que, crenças à parte, a doutrina desse homem levou conforto e caridade a muitos corações aflitos. Ponto pra ele e pro tal do espírito amigo que fica soprando peripécias no ouvido do Chico o filme todo.


A tacada de mestre é que antes do bom “Chico Xavier” é exibido o trailer de “Nosso Lar”. Este sim, uma obra e tanto. Escrito por um espírito, o André Luiz, e psicografado pelo Chico Xavier, o filme conta como é o lado de lá, isso mesmo, o nosso lar. O capricho do trailer me levou à sala de projeção e diante da telona, fechei um acordo com o André Luiz, com o Chico e com o diretor do filme, o Wagner de Assis e me propus a entrar na história que eles estavam contando. Foi aí que tomei uma rasteira de outro mundo, com perdão do trocadilho tosco.

Primeiro, o médico recém falecido, André Luiz passa por uma espécie de purgatório, onde espia seus pecados e sofre para descontar as besteiras na vida mundana. Eis que surge então uma “equipe de resgate” vestida de branco, com aquela luz toda emanando do corpo e resgata André Luiz. Ele é levado, então ao “Nosso Lar”. É aí que começa o meu tombo. Incrédulo (ou seria são?), André Luiz não se conforma em beber uma água que alimenta sua alma, tampouco em ficar deitado numa cama sob uma luz verde, capaz de curar as mazelas causadas pelo sofrimento no tal do purgatório. O problema, é que, por fim, ele se acostuma...

Curado, ele sai para passear no paraíso e aí, meus caros, descobrimos que o paraíso do André Luiz seria o inferno astral do Lênin e do Marx, entre outros amigos desses caras. O céu é dividido em ministérios – sim, com ministros e tudo. Tem até fila para falar com eles. O que consola a nós, aspirantes a jornalistas, é que lá tem um Ministério das Comunicações! Emprego certo no céu! Parece ridículo, mas é isso mesmo. Também no céu você precisa ter um emprego. Esse negócio de descanso eterno é pura balela. Dá pra imaginar que pra se comunicar com a família, dar uma voltinha no mundo dos vivos, ou até ter uma casa no “Nosso Lar” o André Luiz teve que trabalhar para ter créditos e comprar essas coisas todas? Misericórdia divina, que nada, no reino dos céus o que vale mais é o “uma mão lava a outra”. Além de purificar a alma no purgatório, o espírito tem que ralar uma eternidade, se não, sem essa de reencarnar, comer, beber, quanto menos se comunicar com a família... Descobre-se assim, que Deus é burguês, é capitalista e não gosta de oposição, já que toda e qualquer pergunta é respondida com um vago “na hora certa você saberá.”

Mas para quem pensar que o burgo divino são só mazelas, lá, os espíritos aprendem a materializar novas roupas, podem acessar, através de um aparelho parecidíssimo com um notebook, as orações destinadas a ele e passear de nave movida a eletromagnetismo por todo o território ao qual a alma tem acesso, numa jogada meio “George Lucas” do diretor.

Emocionante (sem ironia aqui), um dos ministros anuncia por videoconferência a Segunda Guerra Mundial, o que provocou uma superlotação no hospital do céu. Pode parecer engraçado, mas Wagner de Assis soube mostrar como as atrocidades cometidas pelo homem são absurdas e causam demasiado sofrimento – até no paraíso.

Também André Luiz sofreu quando – depois de muito trabalho, claro – conseguiu permissão para dar um passeio na casa onde morava. Céticos (ainda bem!), seus familiares não acreditavam muito nessas coisas de espírito. Só a empregada da casa conseguiu sentir sua presença por lá e disse a ele: “vá com Deus, senhor André”.

De volta ao “Nosso Lar”, ajudando a cuidar dos milhões de judeus que estavam chegando, André Luiz entrou no ritmo do céu. Ele aquietou sua alma e parou de perguntar, aprendeu a andar na nave eletromagnética, a acessar suas orações sozinho e com todo esse bom comportamento, caiu nas graças de Deus e foi nomeado médico do hospital divino, uma carreira celeste! Com todo esse esforço, André Luiz fez um pé de meia grande o bastante para comprar o direito de ditar vários livros para o Chico Xavier. O Chico escreveu e o Wagner de Assis filmou. Eu, assisti.