quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O velho eu

Ontem o velho e eu estávamos lá, frente a frente, no mesmo cinema, em busca dos mesmos filmes, sentados na mesma posição. Como dois seres absurdamente individuais, solitários. Com a mesma alma nobre, crítica e sentimental, observadores. O ambiente quente, as pessoas, os movimentos, os diferentes traços, tudo nos forçava a atenção e o olhar intrigante. O que muitos julgariam como desprezo ou curiosidade desmedida, é para nós um interesse incontido por pequenos aspectos da vida. Minha namorada, por exemplo, às vezes me toma por distraído ou por um mau caráter descarado que olha para toda fêmea ao lado. Mas não. São olhares que voam mais além, por interesses desprovidos de sexo, ambição, beleza (sem deixar de serem belos). São os mesmos olhos que olham o homossexual extravagante, a puta divertida, o mendigo desprezado. Olhares que detectam sinais de vida. E o velho... o velho... parece ter esse mesmo olhar. Talvez por isso, por ter sido mal compreendido, ele ainda esteja só.

Eu de camisa verde, calça jeans clara, meias cinzas, all star verde musgo novo, óculos de grau e cabelos desgrenhados. O velho de camisa social azul fosco sob um colete de lã chamuscado de marrom e cinza, calça caqui, meias pretas, sapatos pretos e gastos, óculos de grau e com sinais de uma rala calvície. Eu de barba preta nas faces. O velho de bigode espesso e branco. Eu e o velho com a mesma mau postura esculpindo uma corcunda.

Faceiro esse “mundo de deus” que com o tempo nos come. Faz do próprio ar que respiramos para manter a carcaça ativa um agente que com os anos transforma o que é vistoso em rugas. Balelas! A carcaça ativa nada vale nessa vida sem uma tempestiva mente colorida, que não envelhece com o tempo e sim se revigora. O velho estava lá, no mesmo lugar que eu, esperando pelos mesmos curtas toscos do mês e por que não com uma cabeça bem mais interessante que a minha? As noviças não olham o velho com desejo de pecado como olham – raramente, vai lá – para mim, apesar dos anos fazerem do velho um ser mais sabido que eu. Se falta em mim o conhecimento que sobra no velho, falta a ele a juventude que sobra em mim. Nhé velho, fundidos talvez fossemos melhores!

Mas o velho já foi jovem, aprontou das suas, trepou com as suas garotas, bebeu os seus porres, estudou o que tinha que estudar, trabalhou o que tinha que trabalhar, fez o que tinha que fazer e assistiu aos filmes que tinha que assistir. Opa! Mas o velho ainda não morreu. Ele ainda pode estudar, trabalhar, aprontar, beber, quem sabe trepar e, com certeza, ainda assiste a filmes. Besteira o homem achar que com os anos a vida lhe é limitada. Melhor é fazer das horas eternos estados elevados de vida.

O velho consultava o relógio a cada minuto. Não por pressa da vida acabar rápido, mas por ansiedade, pois já são quase seis e a entrada ainda não foi liberada. Eu tentava disfarçar essa ansiedade fingindo estar tranqüilo e não olhar muito para a mulher que retira a corrente das escadas e conferia o ingresso. O velho também tentava disfarçar da mesma forma e eu também consultava o relógio a cada minuto.

Coincidentemente, subimos as escadas juntos. Estranhei-me porque o velho não tinha o cheiro da sua idade, exalava um odor parecido com um perfume que eu gosto, mas que já não vende mais, Absinto. Onde é que você conseguiu esse perfume, velho? – perguntei. Ele levantou de leve a sobrancelha e deu um sorriso com os cantos da boca sem mostrar os dentes. E o curioso é que essa expressão é também minha.

Os curtas eram pobres. Vi na cara do velho que ele compartilhava da mesma opinião que eu. Assistimos quietos por fora e inquietos por dentro os quatro curtas pensando no final de cada um em ir embora, mas ficando esperançosos de que o próximo fosse melhor. Além do velho e eu, só havia mais duas pessoas na sala do cinema. Também pudera! Quem é que vai assistir à curtas?! O povo gosta é de carros explodindo, meninos voando em vassouras, sexo, coisas que só aparecem em Hollywood. Mas o velho e eu ainda tentamos, pseudocults.

O velho não usava bengalas. Saiu do cinema, olhou meio perdido para os lados e seguiu à direita – com a idade agente deve aprender a seguir os caminhos certos. Será? E eu, que também não uso bengalas, olhei para os lados e segui a esquerda com um andar muito parecido com o do velho, tentado descobrir por onde devo caminhar.

Eu tomei um chop e o velho tomou um café. Ou foi ele quem tomou o chop e eu o café. Confuso. Se eu não fosse tão realista até diria que aquele velho sou eu.