quarta-feira, 7 de julho de 2010

A educação e a Inclusão Social

Reportagem: Pablo Abreu

Uma placa azul escrita de branco, bem pequena, timidamente apresenta o lugar. Depois da placa, uma rua estreita com uma curva. Depois da curva, um portão antigo e um pátio. No pátio, uma árvore de um lado e do outro uma construção com alguns basculantes quebrados pertencente ao antigo Centro de Assistência do Menor Excepcional (CAME). Depois, as paredes vermelhas e brancas e depois as histórias de vida e a luta por reconhecimento. Estamos na Escola Estadual Maria das Dores de Souza que a 55 anos educa crianças e jovens com deficiências, mas que hoje sofre com a dúvida de um destino ainda indeciso frente a nova política da Inclusão Social.

A escola, as pessoas e a vida

Pouco antes do recreio a professora Leila Jannuzi propõe uma dinâmica aos alunos envolvendo um cacho de bananas para tentar transmitir aos mesmos noções da cor amarela, do amadurecimento ou do nome da fruta. “Nós sempre tentamos trazer alguma coisa do cotidiano como instrumentos de ensino para dentro das salas de aula”, diz. Vez ou outra a professora grita com o aluno ou se mostra séria o suficiente para tentar controlar os adolescentes dentro da sala de aula. Mas não consegue. Os minutos que antecedem o recreio são sempre um dos mais esperados.

Soa o sino e todos saem. No galpão do refeitório está a psicóloga Eveline Fávero, que trabalha no turno da manhã. Ela ajuda a coordenar os alunos durante a merenda. Na escola cada um faz um pouco de tudo. A diretora ajuda a podar a árvore da entrada, as cozinheiras a dar bronca, a supervisora a aconselhá-los. Todos por lá tem um pouco de pai e mãe, ora sendo rígidos o suficiente para buscar a ordem, ora abraçando qualquer tipo de desconsolo.

Aos poucos as longas mesas e bancos azul-claros vão sendo ocupadas. O salão não é muito grande e muitos alunos tem faltado de aula. Parece que eles não gostam muito de frio. Segundo a diretora Nilva Aparecida de Paiva quando chega o inverno a incidência de faltas aumentam.

O ambiente não é nem muito silencioso, nem muito barulhento. Os decibéis só aumentam quando um ou outro aluno deseja repetir a merenda. O prato do dia é uma macarronada, com cheiro de molho de tomate e tempero que pode ser sentido até alguns metros de distância para além do refeitório. No momento em que o estudante se exalta, entra a psicóloga em ação e em pouco tempo está tudo controlado.

Depois da merenda os alunos se espalham pelo pátio interno e dão um show de interatividade e carisma. Correm, implicam e brincam uns com os outros como toda criança gosta de fazer. Alguns passam o recreio todo dançando as músicas que ouvem no rádio, com especial destaque para o tal do “rebolation”. O parquinho fica fechado. Seu uso se restringe a atividades extras supervisionadas por algum funcionário. No final do pátio tem uma pequena quadra usada tanto para as aulas de educação física quanto para as peladas durante o intervalo. Como sempre os meninos são os que mais gostam de futebol. “Você é qual time?”, pergunta o pequeno João. “Ih, Cruzeiro! Eu torço pro Flamengo”, critica.

Em Juiz de Fora não tem muitas pessoas que defendam os times mineiros. A proximidade com o Rio de Janeiro e a tradição cultural da cidade reflete na preferência dos torcedores que na maioria torcem para os clubes cariocas, principalmente o Bota Fogo e o Flamengo. É assim também entre os alunos da escola. Quando a professora Elizete, apelidada entre os alunos com o famoso jargão que acompanha as professoras do primário, “tia”, sugere a atividade de colorir a bandeira do Brasil, os meninos reclamam. “Que bandeira feia”. Elizete explica que aquilo é o símbolo do nosso país e que estamos em época de Copa do Mundo e é preciso torcer pelo Brasil. “Eu não sou Brasil, tia. Eu sou Flamengo”, explica o fanático João.

Dos cerca de 170 alunos matriculados na escola, 16 participam de uma atividade extra, fora do período de aula, nas chamadas Oficinas de Arte e Madeira ou de Trabalhos Manuais. Lá eles experimentam e aprendem técnicas criativas com a professora Henriqueta Guedes de desenvolver bons trabalhos usando, muitas das vezes, materiais descartados. “Eles não tem muita criatividade, mas só precisam de um estímulo”, diz a professora. A maioria dos materiais para a confecção das peças vem de doações, “coisas simples, que as pessoas costumam não usar mais”, comenta Henriqueta. Além das oficinas, é oferecido aos alunos também aulas de dança e capoeira.

Nos murais espalhados pela escola, ainda estão estampados as amostras de carinho materno. São vários corações e desenhos com nomes e dizeres que celebraram o dia delas, das mães. Mulheres que não podem desanimar. Precisam de um acompanhamento sempre muito especial, que é incentivado também pela escola, segundo relatou a Supervisora de Ensino, Maria Helena Feres Valle. “Em todos os projetos que nós realizamos procuramos convidar a família. Almoço, murais, confraternizações, é sempre bom essa participação”, comenta ela.

Falta na escola o que geralmente falta em muitas outras escolas públicas, uma estrutura física capaz de atender às necessidades de todo e qualquer aluno. Quem anda por entre os corredores da instituição logo denota as principais necessidades. Não tem corrimão, piso antiderrapante, banheiro bem adaptado e rampa – a última foi construída sem planejamento e não ficou com uma inclinação adequada. “A escola tem que oferecer um acesso de modo que eles possam ir r vir com independência. Já tem algumas conquistas. Mas o caminho ainda é longo”, relata Maria Helena.

Mas se por fora a estrutura não encanta, por dentro ela dá aula de humanidade, provas de afetividade, notas de carisma e frases sem som. Diálogos de olhares, de abraços e gestos capazes de dizer aos homens mais dos que esses próprios conseguem dizer com os belos textos e palavras. As interpretações inusitadas e os possíveis espantos não são raros àqueles que não reconhecem a espontaneidade que reina por ali. A voz que por vezes foi socialmente silenciada hoje busca gritar mais alto ou no mesmo tom, para que, enfim, se sobressaia a igualdade.

Todos os alunos da Escola Estadual Maria das Dores, que a 65 anos carrega o posto de escola especial, tem algum tipo de deficiência. Autismo, Síndrome de Down, paralisia cerebral, deficiência mental, Síndrome de Landau-Kleffner, hiperativismo ou transtornos globais do desenvolvimento são as patologias que cercam a vida dos que lá estudam.

Depois de anos trabalhando a missão de oferecer uma formação integral de qualidade, que possa educar crianças e jovens para o exercício livre e responsável da cidadania de forma autônoma, a escola enfrenta um dilema, vivido também pelas outras escolas especiais. Com a política da inclusão social, a sua sobrevida como instrumento necessário à formação de alunos com deficiência alçaram a ideia de que o seu papel na educação está relegado ao passado. Surgiram teorias e suposições sobre o seu fim e a sua necessidade, mas as decisões ainda não passam de dúvidas. O que é certo são as alterações na sua função. A preferência hoje é que todas as crianças sejam matriculadas na rede regular de ensino. À escola especial, restaria o papel na educação de suprir as necessidades especiais dos alunos e desenvolver as especificidades que lhes limitam.

A Escola Estadual Maria das Dores (Complemento na reportagem impressa)

A escola foi fundada em 25 de agosto de 1955, por um grupo de mães esforçadas, que vendo o déficit de aprendizagem dos seus filhos, fundaram o Instituto Pestalozzi. Posteriormente foi criado o Centro de Assistência ao Menor Excepcional (CAME), para funcionar como um amparo às crianças com deficiência.

Em 1964, o Prefeito vigente na época, Dr. Ademar Resende de Andrade, cedeu um terreno de 6.000m², à rua Barão de Cataguases, 444, onde foi construída a sede do Instituto Pestalozzi. Somente em 1976 foi que ela seria denominada Escola Estadual.

O seu surgimento foi num período em que houve no Brasil uma grande explosão da criação de instituições voltadas para a educação de pessoas com deficiência, tendo como objetivo proporcionar ao aluno a conclusão da 4ª série do ensino fundamental, como a quase totalidade das escolas públicas da época.

No início eram 54 alunos. A escola só expandiu verdadeiramente nos anos 80, com a política da Integração, quando ela passou de “30 para uns 200 funcionários”, como comentou a supervisora Maria Helena.Na equipe havia médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos, professores e amigos, todos empenhados em ajudar, ensinar e dar voz aos que, por muito tempo, ficaram calados diante da sociedade. Hoje basicamente só os últimos três grupos ainda estão na escola, lutando e defendendo seu papel como instituição fundamental para aqueles a quem a vida delegou uma necessidade especial.

A divisão das turmas levam em conta o desenvolvimento dos estudantes. Não é feito um agrupamento por patologias. Geralmente os alunos do turno da manhã são menos comprometidos que os que estudam à tarde.

A maioria dos estudantes são oriundos de famílias de baixa renda, o que confere um dos problemas mais vigentes da escola. Muitas famílias tem dificuldade, inclusive, de gastar com passagem para a mãe levar o filho para a instituição. Por isso, muitas delas ficam aguardando o término das aulas numa pequena sala improvisada num cômodo antigo na entrada da escola.

A idade dos alunos varia. No Maria das Dores tem estudantes de até 30 anos. O tempo de permanecia é diferente do ensino regular. Eles tem direito de ficar os nove anos estabelecidos para o ensino fundamental mais 50%, ou seja, um total de 13 anos e meio. Na escola eles podem concluir a quarta série do ensino fundamental. Depois disso, seguem para as escolas regulares.

Os alunos muito comprometidos, que não tem condição de estudarem numa escola regular, recebem ao final do período uma certificação de terminalidade específica. Estes não continuam os estudos no ensino regular.


A inclusão social

O paradigma da Inclusão Social surgiu em meados do século XIX, na Europa, como uma proposta de combate a exclusão aos benefícios da vida em sociedade, provocada pela diferença de classe social, educação, origem geográfica, sexualidade, idade, existência de deficiências ou preconceitos raciais. Não é, portanto, algo delimitado a educação ou a deficientes, mas sim abrange todos os grupos que por algum motivo são historicamente ou socialmente segregados.

Alguns anos foram necessários para que essas ideias repercutissem no mundo e se transformassem em planos concretos. No Brasil, os ideias para combater a exclusão social ganharam força na década de 80, se desenvolveu na década seguinte e atualmente vem delineando novas atitudes como no caso da educação.

O Brasil fez a opção pela educação inclusiva ao concordar com a “Declaração Mundial de Educação para Todos”, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990 e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994) na “Conferencia Mundial sobre Necessidades Educacionais: Acesso e Qualidade”. Lá foram desenvolvidos temas que preconizam que: toda a criança de todos os sexos tem direito fundamental à educação; a educação deve atender as diferenças de capacidade, interesses e necessidades de aprendizagem diversos dos alunos; deve levar em conta as diferenças individuais; os pais tem o direito de serem escutados sobre a forma de educação que melhor ajuste ao seu filho; deve-se desenvolver uma pedagogia centralizada na criança e que seja capaz de educar.

Antes do processo de inclusão a educação estava baseada no modelo integracionista, desenvolvido no Brasil na década de 80. O pressuposto era de que todo aluno precisava ser capaz de aprender no nível preestabelecido de ensino. Cabia ao aluno se adequar às estruturas física, administrativa, curricular, pedagógica e política da escola. E geralmente o aluno com deficiência era condicionado pela escola comum, de forma que somente numa escola especial ele seria capaz de efetivamente produzir.

Essas ideias mudaram frente à perspectiva da inclusão social. Agora a escola é quem que deve ser capaz de acolher todo tipo de aluno e de lhe oferecer uma educação de qualidade, compatível com as suas habilidades, necessidades e expectativas.

Enquanto o modelo integracionista era clínico-terapeutico, pois defendia a reabilitação ou cura como o caminho para inserção na sociedade, o modelo da inclusão é sócio-antropológico, pois respeita a diferença e a adversidade como forma de socialização. “A educação especial tratava a diferença pela diferença”, diz o professor da Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal de Juiz de Fora Carlos Henrique Rodrigues, que trabalha também com a inclusão de surdos. “A inclusão defende que as diferenças fazem parte da sociedade e temos que aprender como lidar com ela”, explica.

Com o novo modelo as expectativas do ensino mudaram. O objetivo, referendado no Estatuto da Criança e do Adolescente, é de que toda criança deve estar matriculada preferencialmente na rede regular de ensino. À escola especial fica estabelecido uma função complementar na educação.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, determina qual a função do ensino especializado: “A educação especial direciona suas ações para o atendimento às especificidades desses alunos no processo educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas”.

Mas não é bem assim que vem acontecendo. Muitos professores do ensino especial ainda discordam da política da Inclusão Social e a escola especial está ficando em segundo plano. O caso da Escola Estadual Maria das Dores de Souza é um exemplo. Lá estudam apenas 20 alunos da inclusão, um número muito pequeno comparado aos anos anteriores.

Desde 1986 a escola oferecia um apoio aos alunos do ensino regular, mas a atual burocracia para inclusão tem impedido esse processo. Até 2005, o estado observava os alunos, fazia entrevistas e encaminhava ou não os mesmos para a escola especial. A partir desse ano as escolas regulares ficariam com a responsabilidade de mostrar as dificuldades do aluno com algum tipo de deficiência através de uma avaliação educacional, que até 2009 era feita no papel, e em 2010 passou a ser realizada num sistema eletrônico, sem que haja a necessidade de o aluno comparecer no local. Em Minas Gerais, a análise desse documento acontece em Belo Horizonte.

Segundo a supervisora da Escola Maria das Dores, Maria Helena Feres Valle, esse processo que avalia se o aluno participará ou não da escola não tem sido eficiente. “Será que não existe nada além disso? Da dificuldade desses alunos? Será que BH vai dar conta do estado inteiro, de ler uma por uma das avaliações e saber quem pode e quem não pode estar numa escola especial?”, questiona a supervisora.

As dúvidas são frutos de uma discussão maior que atinge diretamente a educação especial. “Com a inclusão parece que a escola especial começa a sair do cenário da educação”, lamenta Maria Helena. As divergências sobre sua continuidade e os reais benefícios da Inclusão Social ainda é dúvida.

Carlos Henrique ainda não reconhece que a educação inclusiva esteja sendo bem desenvolvida. “O que eu vi até agora está muito aquém do decreto 5626 (que traz leis específicas relacionadas à surdez). Juiz de fora nem concluiu o que é a proposta do decreto. Não tem nem a língua de sinais na sala de aula”, comenta.

O pressuposto de atender todo tipo de aluno nas escolas comuns demanda uma política para além da legislação e que altera também a estrutura das instituições de ensino superior que formarão os futuros profissionais dessas escolas.

Cada faculdade vem adotando uma perspectiva diferente para capacitar seus acadêmicos. Na UFJF, por exemplo, são oferecidos disciplinas específicas de gênero e sexualidade, questões ético-raciais, braille e libras, além de todas as demais disciplinas abordarem o tema quando possível. Ainda assim, o professor comenta que essa preparação não é completa e serve mais como um referencial. “É impossível o aluno sair da faculdade apto para qualquer diversidade. O objetivo da Faculdade é formar profissionais com conhecimento, competências e habilidades para que eles saibam como criar estratégias para lidar com a diversidade de forma reflexiva e crítica”, informa. “Na prática é que o acadêmico irá usar essa base para desenvolver formas de trabalhar com o aluno deficiente”, complementa.

Enquanto o dilema busca uma solução, os alunos ficam a mercê das dúvidas. Ainda será necessário um tempo para que as escolas regulares tenham profissionais conhecedores de todas as deficiências e para que as especiais encontrem uma função voltada mais para as especificidades.




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